terça-feira, 3 de julho de 2012
A ignorância é amarela, por Vinicius Mota
Artigo de 18 de junho de 2011 - Folha de SP
SÃO PAULO - Steffi é uma abastada nova-iorquina com consciência social. Luta pelos direitos dos presos e até trouxe um ex-detento para jantar com a família em sua "penthouse". Mas sua filha Skylar se apaixona pela brutalidade exótica do sociopata e quer largar o noivo, o yuppie Holden. Abre-se uma crise doméstica. Não era para tanto.
O filme "Todos Dizem Eu te Amo" (1996), de Woody Allen, é cheio de piadas que ironizam a vida da elite liberal na Manhattan fin-de-siècle. De tão estereotipados, parece que choques assim exemplares entre convicções e realidade não acontecem.
Djan Ivson, o Cripta Djan, é habitué do noticiário desde 2008, quando ajudou a invadir e a pichar a 28ª Bienal de São Paulo. Sua brutalidade exótica em pouco tempo passou a encantar o mundo da arte. Foi convidado a expor seu protesto rupestre na Bienal paulista de 2010. Depois em Paris e, neste mês, em Berlim.
Cripta tem sua filosofia: "A gente só vai fazer pichação sem quebrar as regras quando não tiver mais vergonha na cara". A vergonha continua.
Na capital alemã, convidado a debater sua arte na igreja de Santa Elizabeth, o grupo de Cripta pôs-se a escalar e a pichar o prédio de 1835. Não era para tanto. O curador anfitrião chamou a polícia, altercou-se com o brasileiro e acabou pichado, ele mesmo, de amarelo.
Parte da consciência social vigente partilha do ideal romântico de que há forças regeneradoras latentes no ser inculto, no homem em estado bruto ou nas sociabilidades mal providas de bem-estar. Daí o fascínio com o que os despossuídos, em sua lida diária com a escassez, poderiam revelar de emancipatório para a sociedade. Daí o deslumbre estético com formas de expressão toscas e com o mero instinto transgressor.
Vale, porém, a Lei de Steffi. A valorização do inculto, do violento e do grosseiro vai até o ponto em que não ameaça a educação, a segurança e o casamento dos nossos filhos.
quarta-feira, 30 de maio de 2012
sábado, 31 de dezembro de 2011
"Os 7 mandamentos da Arte", Revista Bravo!, por Gisele Kato, edição de outubro de 2011ro de 2011
O mês de outubro de 2011 representará um marco nas artes visuais brasileiras. A partir de 30 de setembro, abre no prédio da Fundação Bienal, em São Paulo, a exposição Em Nome dos Artistas – Arte Contemporânea Norte-Americana na Coleção Astrup Fearnley. A mostra reunirá 219 peças, de 51 criadores, e é calcada na coleção do Museu de Arte Moderna de Oslo, capital da Noruega. Entre os nomes selecionados estão o britânico Damien Hirst e os norte-americanos Jeff Koons, Cindy Sherman, Richard Prince e Matthew Barney. Paralelamente, abre em São Paulo a mostra individualYour Body of Work (Seu Corpo da Obra), com dez instalações do dinamarquês Olafur Eliasson. Vale repetir a escalação: Hirst, Koons, Sherman, Prince, Barney, Eliasson. É como se houvesse uma exposição de Renoir, Van Gogh e Degas na Paris do final do século 19, auge do impressionismo e época em que todos estavam vivos. A comparação não é absurd a. Neste outubro de 2011, São Paulo irá receber as obras de alguns dos artistas vivos mais importantes da atualidade. Por um período de dois meses, será a capital mundial da arte contemporânea.
“Estamos trazendo os ditos ‘novos clássicos’ para o país. São todos ícones, com uma influência enorme sobre o pensamento e o fazer artísticos do nosso tempo e que raramente são vistos aqui”, diz o presidente da Fundação Bienal, Heitor Martins, responsável pela vinda da coletiva ao Brasil. As exposições são um bom pretexto para pensar sobre a arte que se faz hoje. Diante das obras dos “novos clássicos”, como diz apropriadamente Heitor Martins, é possível tecer várias reflexões. BRAVO!organizou essas questões em forma de “mandamentos”, que expressam as principais características daquilo que se convencionou chamar de “arte contemporânea”. É interessante notar que uma exposição reunindo Van Gogh, Renoir e Degas em todo o seu esplendor e glória não seria possível. Simplesmente porque tais artistas não experimentaram, em vida, esplendor e glória comparáveis aos de Damien Hirst e Jeff Koons, para ficar nos dois mais ricos da constelação (claro que Hirst e Koons ainda têm que passar no teste da posteridade, no qual os impressionistas franceses já foram aprovados com louvor). Ricos no sentido monetário mesmo. Hirst é, sem sombra de dúvida, o ser humano que mais ganhou dinheiro com criação artística na história ocidental.
O curador de Em Nome dos Artistas, o islandês Gunnar Kvaran, um dos diretores do museu de Oslo, ressalta a importância que uma leitura do conjunto pode gerar: “Na exposição, unimos três gerações que acreditamos ter imprimido uma nova dimensão para a arte contemporânea”. A individual de Olafur Eliasson tem como curador o alemão Jochen Volz, também diretor artístico do Instituto Inhotim, em Minas Gerais. Com suas instalações, que mudam a paisagem das cidades, ele tem importância igual à dos principais artistas reunidos na Fundação Bienal. “Olafur desenvolve um trabalho de interação, absolutamente imersivo, sensorial, que precisa do contato das pessoas para acontecer em sua potência máxima. Ele pensa o espaço urbano”, diz Solange Farkas, presidente da Associação Cultural Videobrasil, que neste ano abre o segmento competitivo do festival para todas as linguagens.
A arte contemporânea não é uma linguagem acessível às massas. Ela se escora em uma série de teorias e procedimentos tão complexos quanto o teatro experimental, o cinema alternativo e a música contemporânea. Só que, diferentemente do teatro experimental, do cinema alternativo ou da música contemporânea – que sobrevivem em ambientes restritos ou financiados por universidades –, ela gerou um circuito milionário. Entender essa relação estreita e amigável entre arte e mercado é essencial para compreender a produção atual. Daí a razão do primeiro mandamento.
1 - AMARÁS O MERCADO SOBRE TODAS AS COISAS
O artista norte-americano Jeff Koons passa longe de ser uma unanimidade entre os estudiosos. “O que acho de Jeff Koons é: prefiro a Cicciolina!”, diz Rodrigo Naves, um dos principais críticos de arte brasileiros. Ele se refere ao fato de que entre 1991 e 1992 Koons foi casado com a atriz de filme pornô italiana Ilona Staller, a Cicciolina, e fez uma série de pinturas intitulada Made in Heaven (Feito no Paraíso), com cenas do casal em poses eróticas. Quem se importa com os críticos, porém? Foi-se o tempo em que uma resenha negativa demolia uma reputação ou traumatizava um artista a ponto de ele buscar outros caminhos (como ocorreu com a brasileira Anita Malfatti depois de sua obra receber reparos veementes do escritor Monteiro Lobato). Koons é frequentemente apontado como o maior escultor das últimas décadas. E isso vem ocorrendo desde novembro de 2007, quando sua peçaHanging Heart (algo como Coração Pendurado) foi vendida por 23,5 milhões de dólares na casa de leilões Sotheby’s de Nova York, tornando-o o artista mais valorizado do mundo. Em julho de 2008, outra obra icônica, Baloon Flower (Flor de Balão), saiu da casa de leilão Christie’s de Londres por 25,7 milhões de dólares. Mais um recorde. Dois meses depois, as peças brilhosas e sedutoras de Koons invadiam o palácio de Versalhes, na França.
Em outras áreas da cultura, o sucesso financeiro não é sempre sinônimo de qualidade. Na arte contemporânea, o mercado é uma poderosa fonte de validação artística de um trabalho. Calcula-se que no Brasil o montante de dinheiro que circula no mundo da arte seja da ordem de 300 milhões de reais por ano. Parece bastante. Mas não se comparado ao resto do mundo. De acordo com o levantamento da Tefaf (The European Fine Art Foundation), só em 2008, o total de vendas no mercado internacional atingiu 68,5 bilhões de dólares, sendo que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha são responsáveis por dois terços desse montante. O Brasil, no entanto, junto com Rússia, China e Índia, os países ditos BRICs, continua sendo apontado como uma das grandes promessas. A aposta é tamanha nesse sentido que em julho deste ano foi lançado o primeiro fundo de investimentos especializado em arte no Brasil, o Brazil Golden Art. Ou seja, tem gente aqui que, em vez de aplicar hoje em empresas consolidadas na bolsa de valores, aposta pesado em... arte. A intenção dos sócios Heitor Reis, André Schwartz, Rodolfo Riechert e Raphael Robalinho é possuir em três anos uma das cinco mais importantes coleções contemporâneas do país, com nomes como os cariocas Ernesto Neto e Adriana Varejão e o pernambucano Tunga.
Se o preço de uma obra é uma instância para validá-la artisticamente, saber manipular os preços é um atributo desejável para um artista? Para o inglês Damien Hirst, com certeza. Nas noites de 15 e 16 de setembro de 2008 ele colocou à venda na tradicional casa de leilões Sotheby’s, em Londres, um conjunto de 223 trabalhos recém-saídos do ateliê, que intitulou Beautiful Inside My Head Forever (algo como Beleza na Minha Cabeça para Sempre). O martelo bateu para 97% das obras, compradas em sua maioria por investidores particulares, que juntos gastaram 198 milhões de dólares. Dois anos mais tarde, de acordo com reportagem da revista britânica The Economist, o valor das peças vendidas despencou para um montante equivalente a 10% desse total. Embora esse preço venha se recuperando gradativamente, é óbvio que Damien Hirst criou uma bolha com a própria produção, usando um procedimento clássico do mercado de ações: vender o máximo possível na alta – e provocar uma baixa logo depois por causa da inundação do mercado com um mesmo tipo de produto. É como se Hirst dissesse que, num ambiente cada vez mais dominado pelo mercado, entender seu funcionamento é essencial para um artista. É como se sua bolha fosse, por si só, uma performance.
2 - NÃO PRECISARÁS DOMINAR A TÉCNICA
Depois que o francês Marcel Duchamp (1887-1968) expôs um urinol como obra de arte, em 1917 (a obra se chamava Fountain, “fonte”, em inglês), a concepção de que um artista precisa saber pintar, esculpir ou fotografar ficou definitivamente para trás. Muitas das imagens assinadas pela norte-americana Cindy Sherman, por exemplo, não foram tiradas por ela. Isso ocorre, na cultuada sérieUntitled Film Still (algo como Instantâneos de um Filme sem Título), feita no fim dos anos 70. Em vários dos cliques, a artista, que se consagrou por encarnar diferentes personagens na frente da própria câmera, bateu ela própria as fotos usando um disparador com extensão. Em muitas outras, no entanto, apenas se colocou na posição de modelo e pediu para seu companheiro na época, o também artista norte-americano Robert Longo, apertar o clique. Em outras ocasiões, os autores dos disparos eram amigos. Cindy, no entanto, assina todas as fotos. Afinal, a ideia é dela. Desde Duchamp, o que faz de alguém um artista são suas ideias, e não suas habilidades manuais.
O mesmo ocorre com o britânico Damien Hirst, que depende de técnicos das mais diversas áreas, inclusive surfistas e museólogos na Austrália, para colocar de pé obras como seu famoso tubarão-tigre de cinco metros de comprimento, que foi exposto em galerias boiando num tanque com formol. Ou para o norte-americano Jeff Koons, que também não chega às esculturas perfeitas imitando balões e outros artigos kitsch sozinho. Oitenta pessoas trabalham para ele atualmente em Londres, fazendo cálculos, tirando moldes, lixando as peças. O processo ocorre até mesmo com as suas pinturas: “Koons, pessoalmente, quase nunca põe um pincel na tela. Sua primeira ideia de um quadro pode ser uma foto de revista ou um retrato tirado por ele mesmo. O artista o escaneia no computador e depois o manipula ou o combina com outras imagens. Daí até a aprovação final, ele controla todos os passos de um processo que é essencialmente industrial, percorrendo o estúdio como um Argos de mil olhos, atento à execução precisa dos mínimos detalhes de suas decisões”, descreveu o repórter especial da revista norte-americana The New Yorker, Calvin Tomkins, no livro As Vidas dos Artistas.
Por causa disso, o modelo da renascença, adotado nos séculos 15 e 16 pelos mestres italianos Leonardo da Vinci (1452-1519), Rafael (1483-1520) e Michelangelo (1475-1564) e depois incorporado em larga medida na Factory do norte-americano Andy Warhol (1928-1987), nos anos 60, é agora retomado pelos artistas com força total. A maioria deles trabalha com muitos assistentes. Se o que importa mesmo é a ideia, e não mais a habilidade manual, por que não dividir esse trabalho com outros? É mais ou menos assim que os ateliês e estúdios profissionais funcionam hoje. Até porque as obras atingiram níveis de tamanha sofisticação que um artista raramente consegue sozinho viabilizar uma delas. A instalação de Olafur Eliasson que reproduz uma cachoeira (quatro delas foram distribuídas pelo East River em Nova York, em 2008), por exemplo, e que ganhará uma versão paulistana no Sesc Pompeia, em São Paulo, depende de conhecimentos de engenharia, no mínimo. “Minha equipe fixa é formada por 50 pessoas, entre jovens artistas, técnicos e arquitetos. Além disso, no meu estúdio em Berlim mantenho uma escola para mais 20 estudantes de arte. Acredito muito em um espaço assim, multidisciplinar”, diz Olafur. Essa lógica aplica-se até com donos de produções aparentemente mais simples. A iraniana Shirin Neshat, que participa da coletiva Em Nome dos Artistascom a obra Fervor, um vídeo de 2000, mantém em seu estúdio em Nova York sempre o mínimo de quatro pessoas trabalhando para ela – artistas gráficas, designers e editores.
O artista paulistano Nelson Leirner — tema de um documentário que estreou no mês passado, intitulado Assim É Se Lhe Parece, com direção de Carla Gallo – é dono de uma obra que reflete justamente sobre a questão da técnica. Ele nunca pintou um quadro na vida. O que faz é se apropriar de objetos existentes e dar-lhes novo significado. Geralmente carregado de ironia. Não por acaso, o artista, que no Brasil fundou o grupo Rex, em 1966, contra o sistema de arte, conheceu Duchamp pessoalmente e juntos jogaram uma partida de xadrez: “Eu me identifiquei muito com Duchamp, Man Ray (1890-1976) e Francis Picabia (1879-1953). O jogo dadaísta, a brincadeira, o despojamento deles me fascinou”, diz Leirner no filme.
3 - APRENDERÁS A FALAR SOBRE SEU TRABALHO
Num mundo em que a ideia é tão ou mais importante do que a execução, dominar a palavra é tudo. Tanto que os artistas aprendem isso desde a faculdade. No departamento de artes plásticas da Universidade de São Paulo, os alunos passam pelas aulas ministradas por Ana Maria Tavares e Mario Ramiro, em que são incentivados justamente a falar sobre o próprio trabalho. A jornalista canadense Sarah Thornton, que escreve sobre arte contemporânea para a revista inglesa The Economist e lançou no Brasil no ano passado o livro Sete Dias no Mundo da Arte, dedicou um capítulo da publicação para tratar desse assunto. Ela acompanhou a aula de crítica do CalArts, como é conhecido o California Institute of the Arts, em Valência, Califórnia. Lá, os estudantes são preparados justamente para discorrer sobre suas criações diante de uma plateia: “Críticas grupais oferecem uma situação única – ‘utópica’, dizem alguns –, na qual todos se concentram na obra do aluno com a determinação de compreendê-la da forma mais profunda possível. As críticas também podem ser rituais dolorosos que lembram interrogatórios, nos quais os artistas são obrigados a racionalizar seu trabalho e se defender de um fluxo de opiniões pouco refletidas que os deixa arrasados. (...) mas acredito que a dinâmica nesta sala é fundamental para compreender como o mundo da arte funciona”. “Ter um discurso ajuda muito. Um artista que se comunica bem é mais bem compreendido por curadores, pelos galeristas e pelo público. Por outro lado, acho que isso só não basta. O discurso não sustenta por si só um trabalho”, diz o curador Moacir dos Anjos.
É bem curioso notar que a maioria dos artistas de hoje com idade abaixo dos 50 anos possui um diploma de artes plásticas. E talvez não seja tão forçado ligar esse dado à intensificação de seu diálogo com o circuito do qual fazem parte. Nunca foi tão importante para um artista saber circular direitinho por ele. É também na faculdade, onde geralmente eles formam um grupo de contatos fundamental para a trajetória profissional: “O cara trancado em seu ateliê na esperança de ser revelado ao mundo não existe mais, como Van Gogh e Gauguin num passado romântico”, diz o curador Cauê Alves.
4 - PERTENCERÁS A UMA GALERIA
É um movimento quase simultâneo. Os artistas recebem o canudo das faculdades e imediatamente passam a integrar o elenco de alguma galeria. Muitos deles assinam contratos com endereços comerciais antes mesmo da formatura. E a quantidade de galerias dispostas hoje a absorver esses novos nomes revela bastante sobre o circuito. Indica o quanto o setor está aquecido. E prova também como o sistema se profissionalizou. A carreira de artista tem atualmente etapas tão bem definidas, e encontra-se tão escorada por marchands, colecionadores, leilões e exposições, que até perdeu um pouco do caráter aventureiro e um tanto arriscado que sempre a acompanhou. “Acho isso muito positivo. É difícil para um artista vender também sua obra, estabelecer preços. Os galeristas ajudam no planejamento da carreira e apresentam os artistas a círculos de amizades importantes”, diz Fernanda Feitosa, diretora da SP Arte, a feira internacional de arte contemporânea que acontece há sete anos em São Paulo. “Na verdade, o mercado de arte sempre funcionou um pouco assim. Antes eram os mecenas, os marchands. Picasso tinha o seu.” Ela se refere ao mítico Ambroise Vollard. O pintor espanhol (1881-1973) fez inclusive um retrato de Vollard, com traços típicos do cubismo, entre 1909 e 1910.
O diretor do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, Tadeu Chiarelli, vê no entanto essa presença forte das galerias no circuito como algo incômodo: “Pertencer a uma galeria virou sinônimo de ser bem-sucedido”. Porém o número de endereços que abrem a cada ano e o volume de dinheiro que negociam é tanto que foi criada em 2007 no Brasil a Abact (Associação Brasileira de Arte Contemporânea), uma iniciativa das próprias galerias para mapear esse setor. A presidente da instituição é Alessandra d’Aloia, também sócia-diretora da prestigiada galeria Fortes Vilaça, em São Paulo.
5 - PARTICIPARÁS DE FEIRAS DE ARTE
Arco, em fevereiro, em Madri. Art Basel, em junho, em Basel, Suíça. Frieze Art Fair, em outubro, em Londres. Assim, por baixo, dá para dizer que são organizadas hoje cerca de 30 feiras internacionais de arte contemporânea no mundo. Mais de duas por mês. E estão tão bem estruturadas, contando com o envolvimento das principais galerias e consequentemente dos grandes artistas da atualidade, que a colecionadores, curadores e críticos não resta outra opção senão a de visitar o maior número possível delas. Cumprir o extenso roteiro é uma boa estratégia para ficar por dentro de um circuito cada vez mais disposto a acolher as novidades. Na 7ª SP Arte, que ocorreu em maio deste ano, a diretora Fernanda Feitosa comemorou a participação de 89 galerias, 14 delas estrangeiras – a primeira edição tinha 40, uma delas internacional –, e o lançamento de 15 livros de arte ao longo dos quatro dias de evento. Estima-se que o volume de negócios fechados na feira tenha sido da ordem de 40 milhões de reais, o que corresponde a cerca de 30 a 40% do faturamento anual das galerias.
Se vão colecionadores, curadores e críticos, é importante que os artistas apareçam também. “Acho que o mercado brasileiro deu uma amadurecida nos últimos cinco anos em grande parte por causa da SP Arte. Porque é muito diferente um possível futuro colecionador entrar em uma galeria vazia para comprar algo e agora poder encontrar outros como ele em uma feira”, diz o paulistano Rodrigo Andrade, que começou a carreira na euforia da década de 1980, amargou anos de contenção e agora aproveita o reaquecimento do setor. “Nesse sentido, o evento ajuda tanto a dar segurança a um investidor, que vê várias pessoas fazendo lá o mesmo que ele, como estimula o desejo do público que gosta de arte a pertencer a uma classe. Uma tribo se reúne naqueles dias”, diz ele. Rodrigo, como muitos outros nomes brasileiros – entre eles, o paulista Paulo Pasta e o paulistano Caio Reisewitz –, costuma circular pelos corredores do pavilhão da Bienal durante a feira e aproveita assim para conversar com admiradores de seu trabalho. São muitas vezes os próprios artistas que respondem a dúvidas sobre o processo de fabricação de uma peça ao público, por exemplo. E vão dessa forma contribuindo para desmitificar um segmento que ainda bota medo em muita gente. Tem dado tão certo que, no mês passado, o Rio de Janeiro ganhou a sua feira, a ArtRio, aberta também por quatro dias, no píer Mauá.
6 - CONHECERÁS CURADORES
Dentro da estrutura do circuito hoje, pode-se dizer que a crítica teve seu papel diminuído. No lugar dos textos publicados em jornais e revistas, o pensamento mais analítico migrou para a organização das mostras coletivas. Os curadores são os novos críticos. São eles que selecionam artistas e suas obras para exposições que pretendem oferecer um panorama da produção atual e, dessa forma, atribuem leituras para esses conjuntos. Os curadores apresentam temas, sugerem relações entre criadores e apontam também revelações da área. Inclusive para galeristas e colecionadores. “Hoje até as feiras de arte têm curadores. O que antes era Igreja e Estado agora se mistura. Bienais e feiras têm muitas vezes conceitos tão próximos que ficam muito parecidas”, diz Cauê Alves, à frente neste mês do 32º Panorama da Arte Brasileira no Museu de Arte Moderna de São Paulo, ao lado de Cristiana Tejo, e que também responde como curador-adjunto da 8ª Bienal do Mercosul, em cartaz em Porto Alegre. Já o curador Moacir dos Anjos, que juntamente com Agnaldo Farias assinou a 29ª Bienal de São Paulo, no ano passado, relativiza essa aproximação: “As feiras chamam curadores como uma tentativa de legitimar um valor além do puramente comercial”.
Para um artista, tornar-se conhecido por curadores influentes significa não só a chance de integrar coletivas importantes e de visibilidade no meio como também a possibilidade de entrar de vez para o acervo de um museu de renome. O MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York, já foi a instituição com mais poder para credenciar um artista. Hoje, seu prestígio já não é tão absoluto assim. Endereços como a Tate, em Londres, com o seu Turner Prize (prêmio que desde meados dos anos 80 revela talentos), e o Centro Georges Pompidou, em Paris, dividem a responsabilidade nesse sentido.
7 - VIVERÁS COMO UMA CELEBRIDADE
Em Londres, Damien Hirst é tão conhecido quanto uma estrela do rock. Dono de um restaurante descolado no bairro de Notting Hill, o Pharmacy, inteiramente concebido e decorado com peças suas, Hirst comporta-se em público de um jeito nada discreto. Cada lance do leilão histórico de setembro de 2008 foi exibido no YouTube. Ele gosta de superlativos. O colega Jeff Koons não fica atrás. No livro As Vidas dos Artistas, o crítico Calvin Tomkins relembra como o artista foi recebido na Bienal de Veneza de 1990, em que exibiu as primeiras telas da série Made in Heaven, com imagens inspiradas em fotos eróticas dele mesmo e da estrela italiana de filme pornô Cicciolina, sua namorada na época: “Legiões de paparazzi seguiam os dois pelas ruas, pedindo poses e autógrafos”. No blog Vernissage.tv é possível acompanhar em vídeo as aberturas das principais exposições de arte do mundo. Ou seja, os artistas deixaram de ser figuras por trás de suas obras e estão cada vez mais à frente delas. O público quer saber como se vestem, com quem circulam, o que bebem, como bebem. Correm boatos de que alguns deles estarão em São Paulo para a montagem da coletiva no parque do Ibirapuera. Olafur Eliasson já confirmou presença. Com gente como Hirst, Koons e Eliasson circulando nas ruas — e a câmera da Vernissage.tv atrás — a capital paulista terá mesmo ares de grande metrópole da arte contemporânea.
quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
A arte do equívoco (ou o equívoco da arte), por Márcia Denser
Uma triste marca da nossa atualidade é o desaparecimento do espírito crítico – e do próprio crítico – da cena pública em quase todas as áreas do conhecimento, do pensamento e das artes. Esse é um fato que venho discutindo há muitíssimas colunas e sob inúmeros ângulos.
Embora cada vez mais raros no Brasil (e no mundo), ainda existem intelectuais que atuam criticamente no espaço público: é o caso de Affonso Romano de Sant’Anna, poeta, ensaísta, professor, crítico da cultura, que dia 7 de agosto vai estar em Sampa, palestrando a nosso convite no Centro Cultural São Paulo ao ensejo do lançamento de O enigma vazio, que sai pela Rocco na Bienal do Livro.
Desde 2001, meu bom amigo Affonso comprou um briga das boas: resolveu intervir criticamente nas artes plásticas, algo que nasceu da sua inquietação pessoal e da perplexidade cultural de muitos. A repercussão do artigo “Arte – um equívoco alarmante” (O Globo, 29-12-2001) provocou a escrita de mais 50, originando a publicação em 2003 de Desconstruir Duchamp (Rio, Vieira & Lent). Ele diz: “Para minha surpresa (e esperança), constatei que em vários países, críticos, intelectuais e artistas também estavam falando sobre o atual niilismo pseudocriativo nas artes plásticas. Isso incluía Lévi-Strauss, Vargas Llosa, Jean Baudrillard, Mircea Eliade, Eric Hobsbawn, Pierre Bourdie, Jameson, Robert Hughes, crítico do Times etc. Já não se tratava, como nos anos 60, de discutir as vanguardas, mas de ir além e fazer uma revisão da modernidade e da confusa pós-modernidade e repensar a crítica da arte dentro da crítica da cultura.”
Para ARS, não se trata de ser contra ou a favor da arte “contemporânea”, mas de mostrar o quanto o termo tem sido usado de forma inapropriada, e nenhuma pior que certa “arte contemporânea” que surge como simulacro de globalização, uma forma artística do Pensamento Único, no espaço de júbilo, no qual a periferia tem sido chamada a dar aval ao que a metrópole produz, convencendo-a de que ela também está no centro. Pois é: me engana que eu gosto.
Ele denuncia, sobretudo, a “anomia” (ausência de regras) que predomina no campo da artes: mas quando tudo é arte, então nada é arte:
Adiante, alguns trechos do artigo “Além da pós-modernidade”, com o subtítulo “Estamos sendo a lata de lixo da cultura alheia, reciclando dejetos”.
Sobre as diferenças entre modernidade e pós-modernidade: “A modernidade ocorreu na cultura ocidental entre 1860 e 1950, a pós-modernidade expressou-se a partir de 1950, tendo tido seu apogeu em 1980. A diferença essencial entre modernidade e pós-modernidade é que a modernidade tem consciência do tempo e da história, propõe projetos de cultura, de arte e de país, enquanto a pós-modernidade, eximindo-se da temporalidade histórica, demitiu-se de qualquer idéia de projeto, satisfazendo-se com o agora, com a razão cínica, com a aparência, a fragmentação, o pastiche, deixando-se conduzir pelo mercado, renunciando a qualquer esforço de pensar o conjunto de forças. Por isso, a cultura pós-moderna, por exemplo, nas artes plásticas, se tornaria mais uma cultura de ‘sintomas’ do que de obras. Instalando-se comodamente em suas impotências, se rejubila por seu niilismo e narcisismo inúteis.”
“Ao contrário da pós-modernidade, os artistas brasileiros fundadores da nossa modernidade tinham um projeto cultural e um projeto de país. Nos anos 50 e 60, nós, os que repensávamos as vanguardas e a revolução no continente, tínhamos um projeto estético e um projeto de nação (...)
As obras de Niemeyer, Portinari, Drummond, Graciliano Ramos, Villa-Lobos, Gilberto Freyre, entre outros, são uma reinvenção do país e uma reinvenção de linguagem. A argúcia de Mário e Oswald de Andrade foi terem percebido que não se devia importar, copiar, transplantar simplesmente a cultura, como hoje a pós-modernidade faz a reboque da globalização. Estamos sendo a lata do lixo da cultura alheia, recebendo e reciclando dejetos culturais gerados na usina do ócio e do lucro capitalista, que concentra a riqueza e globaliza a pobreza. (...)
Enquanto a modernidade operava com o conceito de projeto (o lançar-se à frente), a pós-modernidade se compraz com eventos, instantâneos como fogos de artifício. Produz obras fugazes, confundidas com os detritos do tempo. O brilho é rápido, nascido da improvisação. Ocorre o culto da aparência revisitada de revistas tipo Caras, e a figuração de uma Quem, que não é sujeito, senão um objeto que pode ser metonimicamente trocado por qualquer outro no palco do instante. (...) Os artistas substituíram o pacto com o público por um pacto exclusivo, feito apenas entre seus pares. Não apenas excluíram o público, mas até o hostilizaram.”
“O que se pretende é fazer um diagnóstico disso que deixou de ser um fato estético e artístico para se tornar commodity ou um produto da sociedade do espetáculo, um pastiche, um passivo sintoma da anomia ética e estética.”
Posso dizer que ARS e eu temos muitas idéias em comum: de forma semelhante, ambos identificamos a cultura como veículo ideológico do neoliberalismo. Como ressalta Otília Arantes, reportando-se a Debord, nesse processo que coagiu o espetáculo como forma de resistência para transformá-lo em forma de controle social, a cultura não é a contrapartida das práticas mercadológicas, mas é a parte decisiva do mundo dos negócios, aliás é o grande negócio!
O mimetismo cultural solapa as iniciativas de acúmulo do conhecimento e da construção da nação. Um bom exemplo: a análise do ideário do planejamento urbano no Brasil configura “idéias fora do lugar” enquanto há um “lugar fora das idéias”, isto é, uma parte da realidade urbana – ilegal, oculta, ignorada, que não é objeto de teorias, leis, planos, gestão, ao passo que a cidade do mercado hegemônico, a cidade oficial mimetiza o debate internacional, a matriz postiça não dá conta da realidade concreta, ou, como escreve Sergio Buarque de Holanda, as idéias vindas de fora asfixiam nossa “vida verdadeira”.
E a literatura absolutamente não está fora deste debate, das mesmas imposições mercadológicas e categorias fajutas, mas dada sua natureza, seu suporte material, de palavra, de sinal nu e cru, de veículo direto do pensamento, sem alusões, sem sugestões, nem mediações para além da língua comum, ela praticamente impossibilita a fraude estética. Salvo o auto-engano, claro. Mas este Freud explica, não é mesmo?
segunda-feira, 18 de julho de 2011
quinta-feira, 24 de março de 2011
Entrevista com Andrew Wyeth
Entrevista cedida por Andrew Wyeth, um dos maiores pintores realistas americanos, falecido em 2009
quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
A vanguarda do tédio, por Jorge Coli (Colunista da Folha)
Hoje, percebe-se facilmente que, engolida assim, "crítica" quer dizer o seu avesso. Basta invocá-la como um abracadabra e pronto: o pensamento se satisfaz na superioridade. Que imagina ter encontrado. Substitui o desconforto do exame e da dúvida pela certeza cômoda das convicções que se acreditam lúcidas: não o são, está claro, exatamente porque feitas de crenças que se tornaram crendices.
A palavra "critica", desse jeito; torna-se um "comigo não, violão" reificado: vira talismã, vira mantra. Transforma quem o pronuncia num sacerdote da sapiência, num ser superior aos outros mortais.
Cercas
A 27a edição da Bienal de São Paulo enfileira, com monotonia indiferente, instalações, vídeos e algumas, poucas, pinturas. Bate, com insistência, na tecla do politicamente correto. Protege-se com a retaguarda dos bons sentimentos, contra os quais não se pode levantar nem um dedo mindinho: ódio à repressão, à segregação, às opressões cruéis, às tiranias.
O problema é que o inferno das artes está atapetado de bons sentimentos. Há, nesta bienal, como sempre, talvez menos do que sempre, aqui e ali, algum artista interessante.
É claro que isso não basta. O álibi das intenções éticas e intelectuais não consegue substituir o interesse da criação. Ora, as metáforas grossas e rasteiras se sucedem, evidentes, enormes, em obras feitas para apanhar, nas suas armadilhas, o intelectual incauto e bem-intencionado. Nem um pingo de reflexão, nem um pingo de sutileza nessa seqüência. Ao contrário, um martelar autoritário do bom pensar e do bem pensante.
Ordem
A crença pode ser sincera, ingênua e pura: deve ser esse o caso das convicções que presidem a 27a Bienal. Mas não importa: ao afirmar-se como impositiva, a mostra elimina debate e contradição. Com todos os seus defeitos e problemas, o velho sistema de representações nacionais tinha pelo menos um mérito: ele limitava a autoridade do curador. Podia ser desigual, podia introduzir disparates na seleção, mas seu caráter aleatório era, por isso mesmo, fecundo. Trazia problemas para os responsáveis, ensinava-os, justamente, o viver junto. Na atual mostra, os artistas não vivem juntos; vivem debaixo: da idéia, do conceito, das determinações imperiosas.
Asfixia
Outro ponto é que as ambições intelectuais dos critérios parecem ter dispensado qualquer vontade de entrelaçar as obras, de permitir coerências, contrastes ou discrepâncias entre elas. A anterior, de número 26, que não teve os favores da critica, foi, na verdade, muito poética; poesia passada, que sobressai ainda mais no contraste com o alinhamento indiferente das obras expostas na atual.
Essas obras não estão juntas, no sentido que lhes daria Roland Barthes e que inspirou o título da mostra ["Como Viver Junto"]. Barthes possuía uma intuição sensível muito forte, pensava por exemplos expressivos e articulados, em associações tantas vezes novas e surpreendentes, que se exasperavam uns aos outros ou se harmonizavam.
Aqui, ao contrário, as obras seguem-se numa apatia displicente. O que torna difícil qualquer expressão de novo, de descoberta ou de fascínio.