quarta-feira, 30 de junho de 2010

"Visão e Rotina", trecho do livro Pensando o Buddhismo, por Bhikkhu Bodhi.

Todas as atividades humanas podem ser vistas como uma interação entre dois fatores contrários, mas igualmente essenciais: a visão e a rotina repetitiva. A visão é o elemento criativo na atividade, cuja presença assegura que as condições estabelecidas, as quais nos pressionam desde o passado, dêem ainda margem a uma abertura para o futuro, uma liberdade para discernir os fins significativos e descobrir caminhos mais eficientes para atingir estes fins. A rotina repetitiva, ao contrário, provê o elemento conservador na atividade. É o principio que assegura a persistência do passado no presente, e que possibilita às conquistas bem sucedidas no presente serem preservadas intactas e serem transmitidas fielmente para o futuro.

Apesar de atraírem para direções opostas – uma em direção à mudança, e a outra em direção à estabilidade – visão e rotina se mesclam em várias formas, e dentro de todo curso de ação ambas participam em alguma medida. Para que qualquer ação em particular seja ao mesmo tempo significativa e efetiva, a conquista de um equilíbrio saudável entre as duas é necessária. Quando um fator prevalece às custas do outro, as conseqüências são invariavelmente indesejáveis. Se ficarmos presos em um ciclo repetitivo de trabalho que nos priva de nossa liberdade de inquirir e entender, logo nos tornaremos atolados, totalmente envoltos pelas correntes da rotina. Se, por outro lado, nos envolvemos em ideais elevados, mas carecemos da disciplina para implementá-los, eventualmente nos encontraremos voando em sonhos, ou exaurindo nossas energias em objetivos frívolos. Somente quando as rotinas habituais recebem um influxo de visão que venha de dentro é que elas se tornam um trampolim para a descoberta, ao invés de rotinas destruidoras. E somente quando a visão inspirada dá nascimento a um curso de ações que podem ser repetidas é que nós podemos trazer nossos ideais da esfera etérea de nossa imaginação para o sombrio reino dos fatos. Foi necessário somente um flash de gênio para Michelangelo conceber a figura de Davi, invisível no bloco de pedra sem forma, mas foram precisos anos de treinamento anterior e incontáveis batidas do martelo e do cinzel para construir o milagre que nos legou esta obra de arte. (...)