terça-feira, 3 de julho de 2012

A ignorância é amarela, por Vinicius Mota


Artigo de 18 de junho de 2011 - Folha de SP


SÃO PAULO - Steffi é uma abastada nova-iorquina com consciência social. Luta pelos direitos dos presos e até trouxe um ex-detento para jantar com a família em sua "penthouse". Mas sua filha Skylar se apaixona pela brutalidade exótica do sociopata e quer largar o noivo, o yuppie Holden. Abre-se uma crise doméstica. Não era para tanto.

O filme "Todos Dizem Eu te Amo" (1996), de Woody Allen, é cheio de piadas que ironizam a vida da elite liberal na Manhattan fin-de-siècle. De tão estereotipados, parece que choques assim exemplares entre convicções e realidade não acontecem.

Djan Ivson, o Cripta Djan, é habitué do noticiário desde 2008, quando ajudou a invadir e a pichar a 28ª Bienal de São Paulo. Sua brutalidade exótica em pouco tempo passou a encantar o mundo da arte. Foi convidado a expor seu protesto rupestre na Bienal paulista de 2010. Depois em Paris e, neste mês, em Berlim.

Cripta tem sua filosofia: "A gente só vai fazer pichação sem quebrar as regras quando não tiver mais vergonha na cara". A vergonha continua.

Na capital alemã, convidado a debater sua arte na igreja de Santa Elizabeth, o grupo de Cripta pôs-se a escalar e a pichar o prédio de 1835. Não era para tanto. O curador anfitrião chamou a polícia, altercou-se com o brasileiro e acabou pichado, ele mesmo, de amarelo.

Parte da consciência social vigente partilha do ideal romântico de que há forças regeneradoras latentes no ser inculto, no homem em estado bruto ou nas sociabilidades mal providas de bem-estar. Daí o fascínio com o que os despossuídos, em sua lida diária com a escassez, poderiam revelar de emancipatório para a sociedade. Daí o deslumbre estético com formas de expressão toscas e com o mero instinto transgressor.

Vale, porém, a Lei de Steffi. A valorização do inculto, do violento e do grosseiro vai até o ponto em que não ameaça a educação, a segurança e o casamento dos nossos filhos.