domingo, 7 de fevereiro de 2010

Contemplação e criatividade, por Rudolf Arnheim

O fenômeno da inspeção prolongada pode ser relacionado à criatividade de uma forma modesta ou em grande escala. Pode ser considerado simplesmente como um instrumento facilitador dos estágios preparatórios da criação. Ou, mais ambiciosamente, como um modelo, em pequena escala, de todo o processo criativo, mostrando, sob condições simples, o essencial do que acontece quando o pensador, o artista ou o cientista criativos enfrentam o mundo. Finalmente, as transformações causadas pela inspeção prolongada podem ser consideradas idênticas ao que se costuma denominar criatividade. Neste caso, o verdadeiro trabalho do criador seria nada mais do que o anotar das revelações tidas durante a inspeção.
Sem dúvida, a contemplação profunda do objeto a ser representado ou interpretado, bem como de cada etapa do trabalho, é um requisito essencial de toda criação. (...) È, também, evidente que tal inspeção faz descobrir possibilidades de estruturar e reestruturar a totalidade do trabalho, ou parte dela. (...) Essas descobertas servem para que o pensador criativo se afaste do modo normal de ver o mundo. (...)
O modo normal de ver, embora indispensável até mesmo para o artista como base e modelo de operação, não pode prevalecer se a pessoa quiser expressar, de forma artisticamente verdadeira, o que o objeto significa para ela. (...)
Mas, entretanto, o que é contemplação? Sua natureza é frequentemente mal interpretada a fim de fundamentar algumas fraquezas na civilização moderna. A mentalidade consumista de hoje em dia leva as pessoas à total passividade. A pessoa age como um receptor que pega o que encontra e sofre as imposições do mundo. Se é necessário afastar-se do comum - em nome da originalidade e do progresso - ele tende a esperar que essas mudanças lhe sejam reveladas ou dadas pelo meio ambiente, ou seja, pelo mundo social e pelo mundo percebido ou, ainda, pelo estoque de inspirações inconscientemente geradas. Em virtude desse estado de espírito, tendemos a ver a contemplação como uma atividade puramente passiva. (...)
[È preciso esclarecer que:]
(...) A verdadeira contemplação não se resume a esperar e juntar informações. Ela é essencialmente ativa. (...) Quando uma pessoa contempla, ela se aproxima do mundo de um modo questionador, mundo esse que não é simples como uma figura geométrica, mas cuja complexidade misteriosa incita a mente. O artista olha para seu modelo à procura de respostas visíveis para a pergunta: Qual a natureza desta vida? Mais precisamente, ele procura similares para as constelações e processos da realidade. A contemplação não se assemelha à atitude do espectador médio; ela não tem respostas a oferecer para a pessoa que não fizer perguntas.
(...) O indivíduo criativo não deseja sair do que é o normal e comum só para ser diferente. Ele não tenta desistir do objeto, mas penetrá-lo de acordo com seus próprios critérios de verdade. E, nesse processo, frequentemente abandona o modo normal de ver as coisas. Quando Picasso fala de seu trabalho como sendo uma série de destruições, evidentemente se refere à destruição positiva necessária a toda busca. O desejo de ser diferente só por ser diferente é prejudicial, e a necessidade de fugir de uma dada condição deriva de um estado patológico inerente à situação (...) ou à pessoa, como nos mecanismos de fuga dos neuróticos, que os freudianos atribuem aos artistas. Frente a frente com a realidade prenhe de sentido, a pessoa verdadeiramente criativa não foge, mas caminha em direção a ela. A contemplação permite-lhe analisar as potencialidades do objeto em relação ao tipo de verdade que seja adequado a ambos. (...)

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