segunda-feira, 1 de março de 2010

Tornar-se adulto saiu de moda. Entrevista especial com Maurício Custódio Serafim

"Bebezões a Bordo" é o título do artigo de Maurício Custódio Serafim, publicado na revista GV-Executivo. Junto com o doutor em psicologia, Pedro Bendassoli, Serafim escreve sobre o processo de infantilização dos adultos de hoje. No texto, Serafim afirma que "O sistema social de infantilização do adulto mostra que existe hoje em grande parte de nossas sociedades civilizadas uma espécie de negação geracional: os pais, os adultos, enfim, as figuras de autoridade, estão abdicando do seu papel". A IHU On-Line procurou Maurício Custódio Serafim para falar sobre seu artigo e a conversa resultou na entrevista a seguir.

IHU On-Line - O que é ser adulto neste novo milênio? Quais são as mudanças mais significativas comparadas com os adultos das últimas décadas?
Maurício Custódio Serafim - Eu não sei ao certo o que é ser adulto neste novo milênio, mas tenho pistas do que não é. A questão central é que cada vez mais estamos sendo tutelados. Ou, mais dramaticamente, estamos querendo ser tutelados. Isso significa a perda do sujeito iluminista “consciente de seus pensamentos e responsável por seus atos”, ou, tomando o filósofo Emmanuel Kant como referência, estamos retornando a nossa menoridade, ou seja, a incapacidade de fazermos uso de nosso discernimento sem a direção de outro indivíduo. Segundo o filósofo, o homem é o próprio culpado dessa menoridade se sua causa não se encontra na falta de discernimento, mas na falta de decisão e coragem de “servir-se de si mesmo”, sem a tutela de outro. Tanto que o lema do Iluminismo, segundo Kant, era “Sapere aude!” (“tenha coragem de fazer uso de teu próprio discernimento”). Mas adentramos em outras eras e parece que não há mais disposição de levar este lema a sério.
Uma mudança significativa é mostrada pelo professor Michael Bywater em seu livro “Big Babies: or Why Can’t We Just Grow Up?” (Grandes bebês: ou por que não podemos apenas crescer?). Para o autor, estamos nos infantilizando porque cada vez mais estamos desistindo de nossa autonomia (e a carga intensa de responsabilidade que ela nos exige) para nos comportarmos de acordo com o que nos dizem que devemos fazer. Mais amplamente, as criações de “estilos de vida” nos orientam a como nos vestir, o que comer e beber, onde e como devemos morar, lugares que devemos freqüentar, cursos que devemos fazer, como devemos nos exercitar e como devo gerenciar a carreira profissional. Atualmente, para qualquer dimensão de nossa vida há “especialistas” ou “tutores” que nos dizem o que fazer. Nas gerações passadas não existia em dimensões como há hoje. Sabia-se, razoavelmente bem, o que se deveria fazer em cada etapa da vida. Adicionalmente, os ritos de passagem para a fase adulta eram mais claros e realizados mais cedo do que hoje. Mas, claro, tudo isso está restrito a algumas classes sociais. Não posso dizer se há um processo de infantilização dos adultos que habitam as favelas, por exemplo.

IHU On-Line - O senhor diz que a infantilização do adulto o leva a uma abdicação do seu papel, algo como abdicar de algumas responsabilidades que vem com a idade adulta. É dessa responsabilidade que as figuras de autoridade estão fugindo?
Maurício Custódio Serafim - Pode ser. Peguemos, por exemplo, as autoridades do Governo Federal. Nos anos 2005 e 2006, o partido do Presidente da República foi envolvido em escândalos de uso do direito público para fins do partido. A famosa frase do presidente, que “não sabia de nada”, é muito emblemática. Ele se isentou de qualquer responsabilidade e até hoje não conhecemos qualquer responsável, dando a sensação de que não foram pessoas concretas que agiram ilicitamente, mas entidades abstratas que já se dissiparam. Este tipo de atitude alimenta e é alimentado por uma espécie de ethos – não sei se restrito ao Brasil – de uma relativização – a meu ver, muito perigosa – da vinculação pessoa–responsabilidade. Outro caso, que me deixou particularmente horrorizado, foi o comportamento de autoridades do governo e de alguns intelectuais sobre o assassinato do menino João Hélio: culparam a sociedade, o consumismo da classe média, a qualidade da educação etc. Mas são todas as entidades abstratas e, com isso, deixamos de responsabilizar, de modo preciso os envolvidos no acontecimento: os assassinos e as pessoas que fazem parte da administração pública, que deveriam se ocupar de planejar e executar com eficácia políticas públicas que teriam como fim assegurar a integridade física das pessoas que utilizam o espaço público. E o que vemos é uma relativização. Relativizamos a responsabilidade dos assassinos, ao dizer que são fruto de uma sociedade injusta e, com isso, estamos afirmando nas entrelinhas que há uma determinação social de que o sujeito não pode escapar e que a sua escolha – neste caso, a escolha de matar – não é o componente mais importante; e os governos relativizam ao não assumirem sua responsabilidade, discursando como se nada tivessem a ver com a crescente deterioração da boa convivência da sociedade brasileira. Se prestarmos bem a atenção, está se tornando uma regra social no Brasil a de que “ninguém tem culpa de nada”.

IHU On-Line - Vemos, nas famílias, as crianças com cada vez menos tempo para brincar e muita responsabilidade escolar. Mais tarde, os adolescentes, numa fase de descobertas, são obrigados a escolherem sua profissão. Muitas vezes, esses mesmos adolescentes saem das escolas sem preparo e amadurecimento para enfrentar uma graduação. Isso poderia ser uma justificativa para a infantilização dos adultos? Eles podem estar com razão quando se defendem dizendo que não aproveitaram muito a infância e adolescência?
Maurício Custódio Serafim - Se olharmos para as gerações anteriores, as crianças talvez tiveram o mesmo tempo (em idade) para brincar do que hoje e as pessoas se tornavam adultas mais cedo, com 22 ou 23 anos. Hoje, muitos jovens com 22 anos se consideram adolescentes ainda. Tenho a impressão que esta defesa que você menciona já faz parte do efeito da infantilização, e não a causa.
Acredito que atualmente há uma tendência de se considerar o amadurecimento como algo ruim. Costuma-se afirmar que a sociedade está enfatizando o desejo pela eterna juventude. Isso ocorre principalmente pelo ponto arquimediano de nossa identidade estar atualmente no corpo. Portanto, o ápice do sentido de nossa vida estaria no corpo em seu ápice “hormônico” (diferentemente do “harmônico”, no tempo helênico) e dos músculos rijos. Se compararmos com a sociedade grega, vemos que nela o corpo também era importante, exercitavam-no, mas com o objetivo de atingir a excelência das habilidades inerentes a sua condição. Hoje, a excelência é dada por um padrão de concorrência que se situa fora de si, com riscos de não estar aprimorando suas qualidades e habilidades inerentes, mas se violentando para tenta alcançar um estágio que um outro estabeleceu do que deveria ser. E esse padrão de concorrência tem como uma de suas características a valorização da novidade por si mesma, cuja representação está no jovem que inova, como se os avanços organizacionais e tecnológicos não pudessem ser proporcionados por quem tem mais idade. Os rostos jovens dos fundadores do Google e do You Tube, explorados pela mídia, ajudam a solidificar este mito.

IHU On-Line - O senhor faz uma relação do desejo pela "eterna juventude" com a identidade ligada ao corpo. A maturidade seria o início da decadência?
Maurício Custódio Serafim - De fato, tenho a impressão que a maturidade está sendo percebida como o início da decadência, por essa percepção ter como critério unicamente o corpo biológico. Neste mito, a pessoa madura é vista como entrave à novidade, pois possui manias e tem a tendência de ser resistente às mudanças. Essa redução do corpo, que não leva em consideração tudo o que é humano – como as experiências que esse corpo vivenciou, as idéias que este corpo pensou, as obras que este corpo praticou e a excelência que este corpo alcançou –, transforma a maturidade em uma fase que se deva evitar ao máximo. E, para se evitar, nada melhor do que fazer de tudo para a infância e a imaturidade da adolescência se prolonguem ao máximo. Muitas vezes, sem percebermos, fazemos isso.

IHU On-Line - Se fala muito, hoje, em novos modelos de educação, sejam eles vindos da escola ou de casa. Qual o papel da escola nesse processo, se sabemos que nossa estrutura escolar é precária e seus conteúdos antigos?
Maurício Custódio Serafim - Acho que antes devemos entender melhor o fenômeno da infantilização para que possamos traçar um primeiro rascunho desse modelo. Posso fazer uma sugestão que, não sendo suficiente, ao meu ver é necessária: a retomada da autoridade do professor em sala de aula. Sabemos que atualmente o professor está quase que abandonado: não é mais o professor que vai reclamar na coordenação da indisciplina dos alunos, mas são os próprios alunos que reclamam para a coordenação ou direção de algo que não gostaram do professor. Isso mina sua autoridade, que deverá se explicar para o seu coordenador. A figura de autoridade é que estabelece na criança os limites éticos e cívicos, e é essa figura que ela deverá superar em sua psique para se tornar um adulto. Se o professor não tiver mais a autoridade legitimada, nada disso acontecerá (claro, dentro dos limites do que a escola pode fazer para a criança).
Maurício Custódio Serafim é mestre em Engenharia de Produção e Sistemas pela Universidade de Santa Catarina e doutorando em Administração de Empresas na FGV-EAESP. Experiente na área de Administração e Sociologia atua, principalmente, com os temas de estudos organizacionais e empreendedorismo e religião. Confira a entrevista.

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