segunda-feira, 1 de junho de 2009

"Arte e pensamento estão num beco sem saída", por Arnaldo Jabor

O que foi que nos aconteceu? Hoje as antigas palavras que eram nosso muro de arrimo foram esvaziadas de sentido e ficamos à deriva. Por exemplo: “futuro”. Antes, era um lugar a que chegaríamos, um lugar no espaço-tempo que nos redimiria de sofrimentos, linha de chegada da esperança. Agora, vivemos diante de um futuro que não chega e de um presente que nos foge sem parar. Isso nos faz saudosos do presente como se ele fosse um passado. Se tínhamos conceitos e até deliciosos dogmas para explicar o mundo, agora só temos uma leve vertigem permanente de que o “tempo não pára e de que as idéias não correspondem mais aos fatos”, como cantou Cazuza. Isto está virando um bordão filosófico, mas vamos lá...

No Brasil, vivemos a angústia do provisório. “Ah... os juros vão cair quando fizermos as reformas, depois que o Estado se enxugar!...” Mas... quando isso virá? Ninguém sabe, pois não há ideologias administrativas claras e isso nos danifica o presente e desmoraliza o futuro. O campo está aberto para loucuras populistas, para radicalismos burros, como vemos na América Latina, onde a democracia vai caindo em descrédito, com provocadores boçais como Hugo Chavez, incensado por idiotas terceiro-mundistas. Intelectuais e artistas vivem em pânico, pois seu reinado de sínteses se extinguiu. Os acontecimentos vão ficando incompreensíveis, impalpáveis. Hoje, no tempo das informações infinitas, na internet, na revolução audiovisual, nada se fecha em conclusões. Pipocam religiões novas e irracionalismos autoritários que nos dêem alguma certeza, nem que seja a do chicote em nossas costas, pedras em nossas cabeças ou guerras sangrentas que nos purifiquem.

Vivemos a dor de uma transição dos tempos do Sentido para uma era indefinível, o que nos dói como uma mudança de pele, sem saber se vamos para uma Renascença ou uma Idade Média. Todas as reflexões filosóficas ficaram céticas, deprimidas, descrevendo impossibilidades e becos sem saída. Nunca imaginávamos que o século XXI seria parecido com o século VII, quando Maomé se declarou o único profeta. Se antes tínhamos grandes narrativas cheias de esperança, hoje só nos resta louvar o fragmentário, deixando o Sentido para as grande corporações; só elas têm uma “racionalidade” fria que permanece. Mesmo no absurdismo dos anos 40-50, havia uma esperança de liberação individual — no existencialismo, no marxismo reformado — mas hoje caímos numa afasia que os pensadores tentam transformar em sabedoria do nada. Seria até um avanço filosófico saber que nunca chegaremos a lugar algum, que a História é assim mesmo, retalhada, fragmentária, que as sínteses morreram... Mas todo mundo quer certezas e assim... choverão fundamentalismos...

Na arte, então, tudo ficou também um bode negro. A destruição que vemos na vida, o império da sordidez mercantil, a ignorância no poder, o fanatismo do terror, a boçalidade da indústria cultural, a destruição ambiental, em suma, toda a tempestade de bosta que nos ronda está muito além de qualquer “denúncia” artística; o mal é tão profundo que denunciá-lo mecanicamente destruindo a própria arte como uma “prova do crime” acaba virando quase uma cumplicidade.

Sobrou para os artistas uma atitude geral masoquista, se mutilando na body art , se furando, querendo recuperar uma importância que tiveram nos tempos do modernismo, nem que seja pela destruição de si mesmos, para evitar o terrível sentimento de que talvez a arte tenha virado mesmo a mera produção de objetos descartáveis, desnecessários. Aceitar o efêmero da arte é vivido como a aceitação da morte. Aceitar apenas a produção de objetos vendáveis para as salas da burguesia é a derrota consumada. A morte da “aura” da arte está mais difícil de aceitar do que se pensava. Assim, o artista se vê como um profeta abandonado, e ele mesmo passou a usar a luz da “aura”, passou a ter “aura”, como um halo, como uma coroa de espinhos para sua solidão. O artista quer virar a obra de arte. E tudo faz para esquecer seu abandono, mesmo que seja expor seus excrementos numa latinha na Bienal de Veneza.

Caiu-me nas mãos uma revista velha com entrevista de Brad Holland, um ensaísta sacana e brilhante. Ele fala da arte de hoje e, de tabela, refere-se ao beco sem saída a que me refiro desde o início deste artigo-cabeça. Diz ele: “Duchamp fez uma obra-prima que foi um urinol. E chegou no fim da vida jogando xadrez como se fosse um objeto artístico. Meu avô também, acabou num urinol, jogando xadrez.(...) Tanto o dadaísmo como o surrealismo estão superados. É impossível distinguir esses movimentos estéticos da vida cotidiana.” Holland também sacaneia o expressionismo abstrato: “As multinacionais não podiam enfeitar seus “halls-Bauhaus” com retratos de palhaços tristes e casinhas de campo. Por isso, o abstracionismo foi inventado”. E depois: “Estamos tentando romper com as normas é, hoje, o slogan do anúncio do McDonald’s”. E a frase suprema: “Antigamente, o artista de vanguarda chocava a classe média; hoje, a classe média choca o artista de vanguarda”.

E, aí, vemos a verdade: a arte contemporânea está muito aquém da realidade. Que performance ou happening será mais contundente ou expressivo que a destruição de Nova York, do WTC? Que cadáver exposto dentro de garrafas ou latinhas de bosta ou tubarões podres ou latas de lixo são mais assustadores que a eternidade da guerra Israel-Árabe ou do inferno do Iraque? Sobrou uma denúncia tola (que aliás absolve gentalha sem talento), muito aquém da complexidade do horror de hoje. E não só na arte — em tudo. Na filosofia, na política, na economia.

É isso aí. Eu ia escrever sobre a entrevista do Lula, mas me deu uma depressão pânica e desisti de criticar o óbvio. Fiquei com saudades da arte, fugi em busca da “beleza” e deu nisso: mais um beco sem saída. Não tem solução; só o cianureto de potássio.

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