O senhor disse durante a palestra que o homem vive no mundo da cultura e não no mundo da natureza, que o homem inventa a vida. Como assim?
Pois é, ele se inventa. O homem é uma invenção do homem. Quando nascemos, não somos ninguém, não temos nome, não sabemos nada. O que a escola nos ensina, o que o bem social nos ensina, o que nossa experiência nos ensina é que faz nos inventarmos como seres humanos. Antes disso, não somos nada. Não significa, no entanto, que nos inventamos a partir do nada. Inventamo-nos a partir de qualidades que já possuímos. Por exemplo, eu não poderia crescer alpinista, pois não tenho músculo e morro de medo de altura. Em função de alguns elementos, vamos nos inventando. A civilização egípcia, por exemplo, é inventada sobre determinados valores. Eles tinham características que nós já não temos, acreditavam em coisas em que já não acreditamos, mas tudo aquilo constituía o mundo e os valores pelos quais eles viveram, lutaram, se apaixonaram, se mataram. Tudo em função daquilo. A civilização grega já é outra invenção. Não sou a primeira pessoa a dizer que o homem é uma invenção de si próprio. Quando Marx diz que o homem é produto da História, das contradições, de seu trabalho, e afirma ainda que Deus não existe, ele está dizendo que o homem é uma invenção de si.
Quando Freud estrutura a psicanálise, começa a chamar atenção para coisas que as pessoas não percebiam antes. Ele também estava inventando?
Claro. Veja bem, não existem o id, o ego e o superego. Ele inventou uma concepção e organizou a subjetividade do homem dentro desses conceitos. Mas faço questão de dizer que não se trata de uma invenção gratuita. A invenção gratuita é do louco. Só que, como ele não parte de elementos objetivos, reais, sua invenção é frágil, não se mantém. E ele sofre terrivelmente com isso porque sente que sua invenção não se sustenta e que as outras pessoas não a aceitam porque não há essa relação com o concreto. Para durar, é fundamental que a invenção tenha essa relação com o real. Dependendo de como funciona essa relação, as invenções têm mais ou menos duração.
Onde ficam a poesia e as outras artes dentro dessa concepção?
A arte tem uma função muito importante. Por não se basear em elementos conceituais, por ser intuída, imaginada, ela fortalece o vínculo entre o real e o imaginário e a ciência, o imaginário e a filosofia. Dá uma carnadura mais concreta a essa relação porque não é abstrata. É mais afeto, mais emoção. Complementa a filosofia e a ciência para que não haja só teoria ou só prática. O ser humano não é só feito de conceito e de ciência. Essa outra parte é complementada pela arte.
O senhor acha que o homem acaba inventando também a sua memória?
Não inventa a memória, mas a transforma em outra coisa. A memória acaba virando vida presente. Deixa de ser passado. O homem não quer o passado, e para isso o transforma em presente. Picasso diz que a arte é sempre atual. Isso é genial. Claro! Obras de arte te emocionam agora, como emocionaram as pessoas no passado. "A arte só tem de passado o fato de ter sido feita antes. Um dos milagres da arte é fazer com que o passado se torne presente. O passado "passado" é morte. Quando eu pego as bananas da quitanda e as transformo em poesia, estou inserindo-as na nossa vida atual. Elas não pertencem à esfera da quitanda, transformam-se além do tempo.
Durante a palestra o senhor falou da sua viagem feita de São Luís do Maranhão a Teresina, no Piauí, e disse que conheceu Trenzinho Caipira, de Villa Lobos, e tentou colocar a letra, mas não conseguiu. Daí, em Buenos Aires, a questão volta ao contrário...
Antes, ao ouvir a música, eu me lembrei da minha infância. Agora, em Buenos Aires, ao falar da minha infância, eu me lembrei da música. Ao ouvir Villa Lobos, automaticamente remeto à minha infância. Ficou dentro de mim. Então, quando eu vou falar de uma, acabo lembrando da outra.
O senhor diz que a arte tem que emocionar, caso contrário não é arte. No entanto, hoje em dia as pessoas teorizam tanto a arte...
Existe uma tese da arte conceitual, da arte feita só por idéias. Isso não tem cabimento. Para refletir, preciso ler filosofia, não vou me ocupar do estilo de pintar do Cildo Meirelles para fazer isso. Ele é um excelente pintor, mas por que ele não pinta em vez de fazer o que está fazendo? Coloca escrito na obra "Urinóis – cocô artificial com planta natural". É para pensarmos sobre isso? O que vamos pensar sobre cocôs e plantas artificiais? Isso é muito pobre. Se ele fizesse os guaches que fazia antes, se comunicaria e transmitiria coisas que as pessoas poderiam sentir por meio da arte. Estive agora em Paris e fui ao Museu de Arte Moderna. Só vale pelo acervo de obras realizadas até a década de 40. Depois disso, nada vale a pena. O museu está vazio, ninguém vai lá. Tinha até uma exposição da Yoko Ono, que só faz besteira também, mas mesmo assim estava vazio. Só está lá porque ficou famosa depois que casou (com o ex-beatle John Lennon). É inacreditável ver os diretores do museu convidando esse tipo de gente para expor. O resultado disso é que ninguém vai lá ver a exposição. Já o Louvre recebe multidões de pessoas, assim como o Museu Picasso.
E quanto aos críticos que escrevem páginas e páginas sobre essa arte conceitual? As vezes, ao terminarmos de ler uma dessas críticas, nos sentimos péssimos, pois não entendemos nada.
Nem eles entendem, porque não há o que dizer sobre isso. A Jac Lemer fez uma exposição no Rio de Janeiro com umas maletas de viagem e teve um crítico que citou Heiddeger e Marx para apresentar a exposição. Não tem nada a ver com nada. É um texto indecifrável que, na verdade, não significa nada. O crítico não tem o que dizer e fica inventando. Vai dizer o quê? Que as maletas estão bem arrumadas no espaço? Realmente não há o que dizer, pois ela nem fez as maletas, as comprou prontas. A rigor, não pode haver crítica sobre essa besteirada. O difícil é explicar como isso se mantém há décadas. A Bienal de Veneza acabou de ser inaugurada com as mesmas bobagens. Antes de ser aberta ao público, um cara mandou uma proposta de instalação que é um absurdo, e foi obedecida pela direção do evento. A idéia propunha a criação de um muro que fechava a entrada do pavilhão espanhol. Para que a entrada fosse permitida, seria necessária a apresentação do passaporte espanhol. Ou seja, ninguém conseguia entrar. E o incrível é que a Bienal topou isso! Na verdade, o artista estava era fazendo uma grande gozação com a Bienal, gozando a instituição. Essas pessoas são niilistas. Destruíram a arte, são pessoas que não têm o que fazer na vida e, com razão, gozam uma instituição que quer instituir algo que não existe. Essa instituição tanto vive um impasse que aceita a sugestão de um cara que manda fechar a porta da sua própria exposição. Afinal, se negasse o pedido, ela não seria uma instituição de vanguarda, seria conservadora. e como é de vanguarda tem que dizer sim. Só que isso acaba com ela. O que acontece então? Acontece que a Bienal praticamente não tem mais expressão alguma. É moribunda, está se autodestruindo. Aceitar esse tipo de coisa é autodestruição.
Por que os críticos têm tanta raiva da pintura no Brasil?
Acho que foi um processo que começou com as vanguardas do início do século XX e cujo elemento principal é a racionalidade se sobrepondo à fantasia e à criatividade. Isso nasce de uma visão equivocada de que a ciência é superior à intuição e à imaginação. Trata-se de uma característica moderna. A ciência é produto da nova idade, logo, tudo o mais é passado e retrógrado. Emoção e intuição são velharias. Só que, ao fazer isso, a arte caminhou para a autodestruição, pois a imaginação é a matéria-prima da arte. Por isso a arte plástica acabou, pela exclusão desses elementos. A poesia, o cinema, o teatro e a música não acabaram. A literatura não acabou porque não seguiu Finnegans Wake, senão teria acabado. Que romance teria sido escrito se a partir de Finnegans Wake fosse feito como se fez nas artes plásticas, em que Duchamp declarou "daqui não se volta, vamos adiante?" Simplesmente não haveria toda a obra de Jorge Luis Borges, de Julio Cortázar, de Gabriel Garcia Márquez, de Hemingway... Não haveria os romances modernos italianos, ingleses, franceses, Guimarães Rosa ou Graciliano Ramos. Vanguarda houve em todas as áreas das artes. Cheguei a ouvir concerto aqui em São Pauto que era uma enceradeira e um liquidificador. Mas não preponderou. O Único setor que seguiu isso foram as artes plásticas. É um enigma, não sei explicar o motivo. Além de tudo, ainda se conta com uma instituição como a Bienal que mantém e financia isso. As exposições estão desertas. Só vão crianças, que são levadas compulsoriamente. A última Bienal foi um fracasso. Todos os vídeos eram chatérrimos e cheios de bobagens. Em Paris, assisti recentemente a um vídeo que só mostrava um cara berrando sem parar. Interna esse cara! Vídeo bom é aquele que narra alguma coisa.
Pois é, ele se inventa. O homem é uma invenção do homem. Quando nascemos, não somos ninguém, não temos nome, não sabemos nada. O que a escola nos ensina, o que o bem social nos ensina, o que nossa experiência nos ensina é que faz nos inventarmos como seres humanos. Antes disso, não somos nada. Não significa, no entanto, que nos inventamos a partir do nada. Inventamo-nos a partir de qualidades que já possuímos. Por exemplo, eu não poderia crescer alpinista, pois não tenho músculo e morro de medo de altura. Em função de alguns elementos, vamos nos inventando. A civilização egípcia, por exemplo, é inventada sobre determinados valores. Eles tinham características que nós já não temos, acreditavam em coisas em que já não acreditamos, mas tudo aquilo constituía o mundo e os valores pelos quais eles viveram, lutaram, se apaixonaram, se mataram. Tudo em função daquilo. A civilização grega já é outra invenção. Não sou a primeira pessoa a dizer que o homem é uma invenção de si próprio. Quando Marx diz que o homem é produto da História, das contradições, de seu trabalho, e afirma ainda que Deus não existe, ele está dizendo que o homem é uma invenção de si.
Quando Freud estrutura a psicanálise, começa a chamar atenção para coisas que as pessoas não percebiam antes. Ele também estava inventando?
Claro. Veja bem, não existem o id, o ego e o superego. Ele inventou uma concepção e organizou a subjetividade do homem dentro desses conceitos. Mas faço questão de dizer que não se trata de uma invenção gratuita. A invenção gratuita é do louco. Só que, como ele não parte de elementos objetivos, reais, sua invenção é frágil, não se mantém. E ele sofre terrivelmente com isso porque sente que sua invenção não se sustenta e que as outras pessoas não a aceitam porque não há essa relação com o concreto. Para durar, é fundamental que a invenção tenha essa relação com o real. Dependendo de como funciona essa relação, as invenções têm mais ou menos duração.
Onde ficam a poesia e as outras artes dentro dessa concepção?
A arte tem uma função muito importante. Por não se basear em elementos conceituais, por ser intuída, imaginada, ela fortalece o vínculo entre o real e o imaginário e a ciência, o imaginário e a filosofia. Dá uma carnadura mais concreta a essa relação porque não é abstrata. É mais afeto, mais emoção. Complementa a filosofia e a ciência para que não haja só teoria ou só prática. O ser humano não é só feito de conceito e de ciência. Essa outra parte é complementada pela arte.
O senhor acha que o homem acaba inventando também a sua memória?
Não inventa a memória, mas a transforma em outra coisa. A memória acaba virando vida presente. Deixa de ser passado. O homem não quer o passado, e para isso o transforma em presente. Picasso diz que a arte é sempre atual. Isso é genial. Claro! Obras de arte te emocionam agora, como emocionaram as pessoas no passado. "A arte só tem de passado o fato de ter sido feita antes. Um dos milagres da arte é fazer com que o passado se torne presente. O passado "passado" é morte. Quando eu pego as bananas da quitanda e as transformo em poesia, estou inserindo-as na nossa vida atual. Elas não pertencem à esfera da quitanda, transformam-se além do tempo.
Durante a palestra o senhor falou da sua viagem feita de São Luís do Maranhão a Teresina, no Piauí, e disse que conheceu Trenzinho Caipira, de Villa Lobos, e tentou colocar a letra, mas não conseguiu. Daí, em Buenos Aires, a questão volta ao contrário...
Antes, ao ouvir a música, eu me lembrei da minha infância. Agora, em Buenos Aires, ao falar da minha infância, eu me lembrei da música. Ao ouvir Villa Lobos, automaticamente remeto à minha infância. Ficou dentro de mim. Então, quando eu vou falar de uma, acabo lembrando da outra.
O senhor diz que a arte tem que emocionar, caso contrário não é arte. No entanto, hoje em dia as pessoas teorizam tanto a arte...
Existe uma tese da arte conceitual, da arte feita só por idéias. Isso não tem cabimento. Para refletir, preciso ler filosofia, não vou me ocupar do estilo de pintar do Cildo Meirelles para fazer isso. Ele é um excelente pintor, mas por que ele não pinta em vez de fazer o que está fazendo? Coloca escrito na obra "Urinóis – cocô artificial com planta natural". É para pensarmos sobre isso? O que vamos pensar sobre cocôs e plantas artificiais? Isso é muito pobre. Se ele fizesse os guaches que fazia antes, se comunicaria e transmitiria coisas que as pessoas poderiam sentir por meio da arte. Estive agora em Paris e fui ao Museu de Arte Moderna. Só vale pelo acervo de obras realizadas até a década de 40. Depois disso, nada vale a pena. O museu está vazio, ninguém vai lá. Tinha até uma exposição da Yoko Ono, que só faz besteira também, mas mesmo assim estava vazio. Só está lá porque ficou famosa depois que casou (com o ex-beatle John Lennon). É inacreditável ver os diretores do museu convidando esse tipo de gente para expor. O resultado disso é que ninguém vai lá ver a exposição. Já o Louvre recebe multidões de pessoas, assim como o Museu Picasso.
E quanto aos críticos que escrevem páginas e páginas sobre essa arte conceitual? As vezes, ao terminarmos de ler uma dessas críticas, nos sentimos péssimos, pois não entendemos nada.
Nem eles entendem, porque não há o que dizer sobre isso. A Jac Lemer fez uma exposição no Rio de Janeiro com umas maletas de viagem e teve um crítico que citou Heiddeger e Marx para apresentar a exposição. Não tem nada a ver com nada. É um texto indecifrável que, na verdade, não significa nada. O crítico não tem o que dizer e fica inventando. Vai dizer o quê? Que as maletas estão bem arrumadas no espaço? Realmente não há o que dizer, pois ela nem fez as maletas, as comprou prontas. A rigor, não pode haver crítica sobre essa besteirada. O difícil é explicar como isso se mantém há décadas. A Bienal de Veneza acabou de ser inaugurada com as mesmas bobagens. Antes de ser aberta ao público, um cara mandou uma proposta de instalação que é um absurdo, e foi obedecida pela direção do evento. A idéia propunha a criação de um muro que fechava a entrada do pavilhão espanhol. Para que a entrada fosse permitida, seria necessária a apresentação do passaporte espanhol. Ou seja, ninguém conseguia entrar. E o incrível é que a Bienal topou isso! Na verdade, o artista estava era fazendo uma grande gozação com a Bienal, gozando a instituição. Essas pessoas são niilistas. Destruíram a arte, são pessoas que não têm o que fazer na vida e, com razão, gozam uma instituição que quer instituir algo que não existe. Essa instituição tanto vive um impasse que aceita a sugestão de um cara que manda fechar a porta da sua própria exposição. Afinal, se negasse o pedido, ela não seria uma instituição de vanguarda, seria conservadora. e como é de vanguarda tem que dizer sim. Só que isso acaba com ela. O que acontece então? Acontece que a Bienal praticamente não tem mais expressão alguma. É moribunda, está se autodestruindo. Aceitar esse tipo de coisa é autodestruição.
Por que os críticos têm tanta raiva da pintura no Brasil?
Acho que foi um processo que começou com as vanguardas do início do século XX e cujo elemento principal é a racionalidade se sobrepondo à fantasia e à criatividade. Isso nasce de uma visão equivocada de que a ciência é superior à intuição e à imaginação. Trata-se de uma característica moderna. A ciência é produto da nova idade, logo, tudo o mais é passado e retrógrado. Emoção e intuição são velharias. Só que, ao fazer isso, a arte caminhou para a autodestruição, pois a imaginação é a matéria-prima da arte. Por isso a arte plástica acabou, pela exclusão desses elementos. A poesia, o cinema, o teatro e a música não acabaram. A literatura não acabou porque não seguiu Finnegans Wake, senão teria acabado. Que romance teria sido escrito se a partir de Finnegans Wake fosse feito como se fez nas artes plásticas, em que Duchamp declarou "daqui não se volta, vamos adiante?" Simplesmente não haveria toda a obra de Jorge Luis Borges, de Julio Cortázar, de Gabriel Garcia Márquez, de Hemingway... Não haveria os romances modernos italianos, ingleses, franceses, Guimarães Rosa ou Graciliano Ramos. Vanguarda houve em todas as áreas das artes. Cheguei a ouvir concerto aqui em São Pauto que era uma enceradeira e um liquidificador. Mas não preponderou. O Único setor que seguiu isso foram as artes plásticas. É um enigma, não sei explicar o motivo. Além de tudo, ainda se conta com uma instituição como a Bienal que mantém e financia isso. As exposições estão desertas. Só vão crianças, que são levadas compulsoriamente. A última Bienal foi um fracasso. Todos os vídeos eram chatérrimos e cheios de bobagens. Em Paris, assisti recentemente a um vídeo que só mostrava um cara berrando sem parar. Interna esse cara! Vídeo bom é aquele que narra alguma coisa.
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